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Entre a cidade e a fumaça: “Aurora” e a insistência da arte*

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*por Julian Brzozowski

Antonio Rossa é um artista que prescinde de apresentações aqui em nossa (nem sempre) ensolarada Desterro. A assinatura na direção do clipe de ‘Coisas de Deus’ do Dazaranha, em agosto passado, é apenas mais um dos grandes feitos que Rossa não para de presentear ao mundo. Tenho a sorte de carregar no meu próprio portfólio um trabalho de sua realização cinematográfica, o EP audiovisual da Orquestra Manancial da Alvorada ‘Encontro na Mata’, e espero que a lista siga aumentando com o passar dos anos.

Se digo isso não é por vaidade pessoal, mas sim pela necessária impossibilidade que encontro de separar o artista Antonio Rossa desse (sempre) ensolarado espírito, para o qual sei que preciso reservar umas boas horas caso estejamos agendados para uma “conversinha despretensiosa”. É com a informação privilegiada de incontáveis desses magníficos papos, cheios de corpo e de vida, que me deparo com o lançamento de seu recente videoclipe ‘Aurora’.

Dividindo a direção com Rodrigo Dutra e Marcelo Mudera, a composição de Rossa conta com ninguém menos que a Sociedade Soul nos arranjos e Renato Pimentel na produção e finalização de som. Todos nomes que evocam, para quem está familiarizado com eles, precisamente aquilo que ‘Aurora’ aborda: a insistência que vem daquela sabedoria extra-humana, que não sabe não fazer.

Afinal, em meio a uma cidade cega, tóxica, que te fuma e te compra sem nenhum tipo de contrato ético prévio, mas sob boas doses de coerção maquínica, de onde vem a força de fazer arte? Os motivos pra desistir abundam: o cinza devora todas as cores e regurgita a afasia urbana, engrenagem substituindo a alma e determinando o que teria tudo pra ser indeterminável, surpreendente. Não saber não fazer: uma frase besta que carrega a urgência real do contorno através da fumaça e do veneno, para acreditar que o carmim da aurora pinta de novo e de novo, de mil maneiras diferentes, esse mundo que consideramos já esgotado.

É o que o clipe nos mostra: ele dá a ver, insiste que vejamos, tudo aquilo que, exaustos de nós mesmos, já não aguentamos mais ver. As formas da urbe, as janelas, as ruas, uma multidão exponencialmente crescente, as luzes do metrô: um espetáculo. A urgência da arte vem de dizer que nada disso está encerrado, nada disso determinado de uma vez por todas. Um zoom out em vertiginoso nível cósmico e percebemos essas formiguinhas luminosas, cobrindo um planeta com fogo elétrico: é arte!

A informação privilegiada que detenho é o brilho nos olhos de Antonio quando falamos sobre essas coisas. É o modo como ele se agita, o infante explorador com o domínio maduro da máquina, combinando a doçura do descobrimento diário com a maestria da técnica que advém de trabalho, trabalho, trabalho. ‘Aurora’ é o re-brilho do Sol, a novidade da constância, a insistência da luz e das tintas e da pintura do mundo. Percebê-la lá onde é mais escuro e esfumaçado requer a coragem de um artista.

Com serenidade, sei que Antonio é feito dessa coragem. O nome de seu nome presente não diz de outra coisa que não uma promessa de invejável fibra: tão certo quanto o amanhecer, a arte segue. Lá dos escombros da pedra, do túnel, do gás carbônico, uma dessemelhança pronto nos acossa e já basta: a interrogação que acorda a infância gira todo um planeta em seu próprio eixo. Aurora!

Foto: Marcelo Mudera

*Julian Brzozowski é a mente por trás da genial e louca Orquestra Manancial da Alvorada

Daniel Silva é jornalista e editor do portal Rifferama, site criado em 2013 para documentar a produção musical de Santa Catarina. Já atuou na área cultural na administração pública, em assessoria de comunicação para bandas/artistas e festivais, na produção de eventos e cobriu shows nacionais e internacionais como repórter de jornal.

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