*por Fabio Bianchini
O álbum “Leaves”, da banda blumenauense Between Summers, é parte de uma tradição de belas obras de escapismo e inocência em meio à desgraceira, de se ver profundamente brasileiro ao esticar o pescoço para outras paragens. Disfarçado de revivalismo, é tão testemunha de seu tempo quanto se pode ser. Mas recapitulemos.
No início dos anos 90, o Brasil era um lugar muito, muito triste. Após as promessas da abertura e da redemocratização esfriarem, a eleição de Collor e o desastre do confisco das poupanças deixaram sensação de terra arrasada e desesperança. Aquele rock dos anos 80 também chegou a caminhos estranhos e, naquele período imediatamente pré-Raimundos, Skank, Nação Zumbi e todo esse pessoal, a ideia de dizer “tenho uma banda de rock” era bem estranha. Para quem preferia um tipo específico de rock, a ideia de dizer que fazia rock brasileiro era mais estranha ainda, mesmo os integrantes sabendo-se e identificando-se inequivocadamente como brasileiros e parte fundamental dessa confusão toda. Dezenas de grupos em todo o Brasil respondiam encharcando-se da influência da gente como Pixies, My Bloody Valentine, Ride, Nirvana e cantava em inglês não por motivações comerciais (para “ter mais chances lá fora”), mas estéticas e sensação de alienação.
Na metade para o fim dos anos 2010, o Brasil é um lugar muito, muito triste. Após as promessas da eleição de Lula e dos progressos sociais esfriarem, o desastre econômico no segundo mandato de Dilma, o Golpe de 2016, assassinatos, massacres e o fortalecimento da cultura fascista deixaram sensação de terra arrasada e desesperança. Aquele rock pós-Los Hermanos do início do século também chegou a caminhos estranhos e a ideia de dizer “tenho uma banda de rock” é bem estranha. Para quem prefere um tipo específico de rock, a ideia de dizer que faz rock brasileiro é mais estranha ainda, mesmo os integrantes sabendo-se e identificando-se inequivocadamente como brasileiros e parte fundamental dessa confusão toda.
Nesse contexto, é fácil ver que uma banda como o Between Summers não é apenas manifestação da lei do revival dos 20 anos nem brincadeira de emular outro tempo ou outra cena. Querendo ou não, as melodias tralalá (isso é elogio), as guitarras distorcidas, as letras em inglês, as referências de rock gringo que às vezes parece que ninguém conhece, tudo é político. Não é à toa que o disco começa falando em ter fé e tentar (“Try Too”, que já sai cantando logo de início para não deixar dúvida) e termina com a faixa mais sombria de todas, “When You Can’t See Any Light”, a única que nega a doçura da voz como contrapartida.
Mas não é só (como se fosse pouco) por isso que ainda vale a pena escutar um disco de canções pop com riffs legais e melodiosos, musicalidade pesadinha e ocasionalmente viajona. Parece meio bobo dizer isso, mas olha só essas músicas. Tudo redondinho sem ser polido demais, conciso e direto. Dependendo da idade do ouvinte, dá para citar Breeders, Drop Nineteens, Verucca Salt e Velocity Girl ou Basement, Tigers Jaw, Seaheaven e Turnover. Não que isso seja o mais importante.
Entra aí o paradoxo de Berman*. Quando um estilo se consolida e se prova imortal, ele morreu. Acontece muito com as coisas mais legais do mundo e aí dá nisso: roupa de bebê com estampa da capa do Unknown Pleasures, celebridades duvidosas fazendo pose fazendo chifrinho com dedos e língua de fora, outdoors anunciando NOITE COM MUITO INDIE ROCK, gente nas redes sociais mandando umas reacices de doer, aí a gente vai ver na foto de perfil e tá lá com uma guitarra. Obviamente são sintomas bem diferentes, alguns tétricos, alguns fofos e um monte de coisa no meio do caminho, mas fica fácil ceder a essa ressignificação e começar a achar que tudo é palha.
Mas essa amargura toda também é um horror, coisa de gente mais morta ainda e que topou acreditar no migué e ceder fácil um monte de coisa massa. E o Between Summers ajuda a gente a aceitar numa boa o status meio icônico daquilo que uma vez era tão diferentão e que “não morreu” pode realmente significar ainda ter bastante vida.
*por causa de David Berman, líder dos Silver Jews. Na clássica “Tennessee”, ele ensinou que “o punk rock morreu quando o primeiro garoto disse ‘o punk não está morto'”. Tem camadas aí, mas é muito melhor que cebola.
*Fabio Bianchini é jornalista, músico e uma enciclopédia ambulante do indie