*por Luiza Mazzola
Às vezes, quando me deparo com algumas obras de arte, dentre todos os sentimentos possíveis que podem me acometer, um deles é a inveja. A inveja da criação, sabe? É mais ou menos um sentimento de “nossa, eu queria ter feito isso”. E na impossibilidade de criar o que vi e ouvi (afinal, já foi feito), a única coisa que me resta é falar sobre. E é por isso que quero falar sobre o recém-lançado EP da Abakaxy Kitudu V.
Formado por Liu Impaléa no teclado e na guitarra, Lucian Cupin no baixo e Marcello Marochi na bateria, o power trio Abakaxy Kitudu V já entra 2019 escrevendo seu nome na cena. O EP “Buscar Significado é Suicídio Filosófico”, que conta com produção de Francis Pedemonte, nos presenteia com 26 minutos de psicodelia de primeira qualidade. O impactante título do registro de estreia da banda remete à filosofia do absurdo (ou absurdismo) do escritor argelino Albert Camus, que trata da busca incessante por significado, uma busca impossível e, portanto, infinita, mas que parece inerente à própria condição humana. A filosofia de Camus bebe da fonte do niilismo e do existencialismo, e dos escritos de alguns filósofos dos séculos XIX e XX como Kierkegaard e Sartre.
Legal, legal… Mas e daí? O que isso tem a ver com o som do Abakaxy Kitudu V? Tu-do. A psicodelia musical de autoria do trio convida o ouvinte a aceitar a impossibilidade de se encontrar o significado das coisas e o sentido da vida. Em outras palavras, é um chamado para mergulhar nas harmônicas e agradáveis texturas sonoras costuradas pela banda. As três faixas que compõem o EP são marcadas por elementos de rock psicodélico contemporâneo, mas também carrega claras influências de jazz e prog, magistralmente combinados em uma belíssima “desordem ordenada”, com algo de orgânico e sensorial.
A primeira faixa do registro (minha favorita), “Logo Colo”, traz um baixo falante e nada discreto. A segunda música, “Meu Almoço Não Chegou”, já tinha sido lançada como single no final de 2018, são 10 minutos do que começa como um flerte brincalhão entre teclado e bateria que é, posteriormente, interrompido por acordes marcantes de guitarra. A derradeira “Kleber’s Song”… Bem, eu não sei o que o tal Kleber tomou, mas talvez eu queira um pouquinho. Em suma, o trio Abakaxy Kitudu V faz uma refrescante incursão por um estilo musical já bastante desgastado, o rock psicodélico, ao mesmo tempo em que conversa com estilos outros e conceitos mais contemporâneos. O resultado é música inovadora e ao mesmo tempo reconhecível para os fãs do gênero, encharcada da mais pura e consonante psicodelia.
Esqueça os sentidos e significados, aceite o absurdo e transcenda com o Abakaxy Kitudu V.
Foto: Giulia Ciprandi
*Luíza Mazzola é professora de francês, tradutora, revisora, doutoranda em Literatura na UFSC, mas antes de mais nada, amante da música