*por Garcez Filho
The Far Meadow é um quinteto formado em Londres, em 2011. O grupo apresentou o seu primeiro trabalho no ano seguinte — “Where Joys Abound”. Em 2016, já com a formação atual, produziram o disco “Given The Impossible” e em abril deste ano seu mais recente álbum “Foreign Land”. Na página da banda no Facebook eles conseguem se descrever com acerto: “Influências — tudo e nada. Do rock clássico e prog dos inovadores (Yes, Genesis, Rush, Focus, Soft Machine, Deep Purple, King Crimson, Gentle Giant, Plackband) para os contemporâneos que mantêm a música viva (Spock’s Beard, Flower Kings, RPWL, Rocket Scientists, Dream Theater e muito mais). Acrescente a isso uma pitada de funk, soul, clássica, jazz, um toque de blues e uma explosão extrema de caos geral … e você meio que entendeu!”. Acrescentaria aí U.K. (em muitas passagens deste álbum, tanto pelas partes de teclados e percussão, mais as guitarras ao estilo de Holdsworth); Djam Karet, no disco “A Night for Baku” de 2003 (levei um tempo para identificar a referência, até que ela me veio numa das transições para os solos de guitarra) e um bocado do prog italiano.
É sempre complicado descrever com acerto as referências e influências de uma banda sem levar o interlocutor a uma visão equivocada de cópia ou imitação, ou leva-lo à frustração por não encontrar o que espera quando estas referências são sutis ou suplantadas pela originalidade. E isto, de fato, ocorre com o Far Meadow. As referências estão ali, sempre a nos lembrar dos mestres, ao mesmo tempo em que sua música soa original, viva e forte. A banda soa perfeitamente integrada, muito valorizada pelos arranjos que permitem aos músicos mostrarem seus talentos individuais, e ao ouvinte desfrutar de cada intervenção.
O álbum abre com uma faixa épica, de pouco mais de dezoito minutos — “Travelogue”. Introdução floydiana que lembra “Shine on You Crazy Diamond” para em seguida mudar para um ritmo frenético e ao mesmo tempo melódico, pouco antes da entrada do vocal. O que vem a seguir é a construção de uma belíssima peça sonora. Um arranjo brilhante que favorece as intervenções de cada músico em prol da construção de uma suíte maravilhosamente concebida. É preciso talento e sensibilidade para juntar intervenções de teclados ao estilo de Keith Emerson, guitarras que vão de Gilmour aos virtuoses do prog metal, órgão de igreja, percussão e baixos vibrantes e um vocal melódico e não soar exagerado ou impessoal.
“Sulis Rise”, a segunda faixa, começa com teclados orquestrais para em seguida permitir a entrada dos vocais e piano. Nesta canção se percebe uma levada jazzística/suingada, conduzida pelos solos de teclado e seção rítmica, pouco antes dos solos de guitarra, e de sintetizador — que muito lembra Tony Banks. “Mud” — Após uma breve introdução bachiana, ao som de órgão que remete aos temas de filmes de horror, a música se torna uma peça dinâmica e bombástica, com forte trabalho de guitarra e de teclados. A voz feminina destaca-se em todos os climas, e a banda oferece um múltiplo painel de sons interessantes.
“The Fugitive” — início percussivo ao estilo da banda U.K. — especialmente no álbum homônimo de 1978 (jazz-rock que aparece em vários momentos nesta canção), inclusive até a entrada do teclado e guitarra. Depois temos um solo de baixo que prepara o cenário para a entrada do vocal. A fórmula adotada para as transições entre o tema da canção, executado pelo grupo, e as partes de vocais e solos dos instrumentistas, mostrada particularmente nesta faixa, funciona muito bem em todo o disco, sendo na maioria das vezes executada pelo piano. Lá pela metade temos um momento de forte interação entre guitarra e piano, seguida por um poderoso solo de guitarra de Denis Warren, acompanhando com baixo slap de Keith Buckman, soa como rock, soa como jazz, outra boa ideia musical da banda. Aqui cabe uma menção especial aos vocais de Marguerita Alexandrou, que foge do tradicional formato da intérprete a que estamos acostumados. Ela canta de maneira solta e perfeitamente integrada com as notas do piano de Eliot Minn, isto tudo emoldurado pelo baixo e pela bateria de Paul Bringloe.
“Foreign Land” — A faixa de encerramento do álbum começa com uma introdução numa atmosfera suave com guitarra e teclado sutis. Temos aqui o vocal mais próximo da referência a Annie Haslam, o que traz a lembrança da banda Renaissance. A canção evolui com muitas variações e mudanças e lá pela metade é puro jazz-rock, com um forte e marcante solo de guitarra, chegando a um grandioso final sinfônico com teclados do tipo coral, guitarras nervosas e uma poderosa seção rítmica.
“Foreign Land” é uma proposta corajosa que talvez se julgasse esgotada, pelas próprias bandas indicadas como suas influências pelo Far Meadow. E aí reside sua principal virtude: conseguir construir uma obra atraente com matéria-prima já tão consumida e esgotada. Tudo que se ouve aqui nos soa familiar, mas não a ponto de afastar ou fazer-se perder o interesse, pelo contrário, reconhecemos as matizes sonoras e os timbres, reconhecemos até as variações dentro de cada canção e mesmo assim, o disco atrai, cativa e soa novo. Mesmo com toda a bagagem que o apreciador de rock progressivo tem, mesmo com tanta coisa já produzida, ouvir este álbum é uma experiência arrebatadora.
Foto: Daniel Williams
*Garcez Filho é engenheiro por formação, bancário por profissão, vadio por opção e apaixonado por prog.
Que resenha maravilhosa, lapidada por vívido conhecimento musical e na ótica inteligente do Garcez Filho. E como sempre, tenho que agradecer o Daniel Silva por criar esse aglomerado de mídia jornalística que tem como alicerce um dos blogs mais expressivos da música independente. Vocês são os catalisadores da nossa arte. Garcez acertou em cheio a influência do U.K., essa banda é um dos nossos mantras. Um grande abraço.