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John Muller caminha seguro em seu “Na Linha Torta”*

*por Lui

“Na Linha Torta” nos transporta a um lugar misterioso, praia de céu grande, mar ritmado, chão largo firme e macio. Em essência, o compositor de Blumenau segue uma tradição catarinense, mistura harmonias e cadências elaboradas com intenções modais, herança valiosa da música brasileira, dominada com excelência pelo violão e pela voz suave de John Mueller, ideal para a MPB. A timbrada banda e suas participações é formada por destaques do Estado, como o vencedor no 5º Prêmio da Música Catarinense Caio Fernando no baixo, e a direção musical de outro grande baixista Jorge Helder.

Nesta produção impecável feita por Renato Pimentel no Magic Place, desde a primeira “Ideograma”, sua afetuosa modulação para tom maior no refrão, e o lindo piano de Cristóvão Bastos, depois nas acentuações antecipando o primeiro tempo de cada compasso em “Na água e no sal”, a banda e convidados já parecem se divertir ao exibir improvisos intensos e envolventes. Seja na balada blues “Dores febris”, com o lindo Rhodes, os power pops “Vaga espera” e “A certeza de sempre tentar”, mas muito expressivamente na mixolídia “Fronteiras”, de escala muito usada no nordeste brasileiro, os músicos que já são parceiros se mostram íntimos e afinados, exploram com propriedade as síncopas, convenções e riffs.

“Cambalhota” é a mais divertida, pop e melódica, o compositor continua a não repetir sessões à toa nem as termina sempre da mesma maneira, costura frases com fluidez e domínio. As vozes em contraponto de Fabi Félix dão um colorido e o desejo de que ela tivesse mais protagonismo na faixa, pois é a canção que melhor aproveita o aparelho fonador como timbre e instrumento para além de expressar melodia e texto. Em “Maré rasa”, num dueto com a vencedora do 28º Prêmio da Música Brasileira Ana Paula da Silva, as vozes graves e aconchegantes também se destacam, deslocam-se sutilmente das oitavas, como ondas de uma praia outonal, ora se encontram em cânone, e frases como perguntas e respostas. Poderiam ter usado mais as vozes em outras faixas, é recurso pouco utilizado neste tipo de repertório e o valorizaria, poderia atrair ainda outro público.

Na que dá título, ‘Na linha torta’, Guinga encadeia o violão com potência orquestral, exemplo de como este disco é um registro de bons encontros entre um criativo cantautor, como o próprio John Mueller se define, com os músicos que melhor o compreenderiam. As alegres e esperançosas faixas que encerram o álbum fazem-no bem e são amostras de como a banda timbra de acordo, vide a guitarra elétrica de Mazin Silva a colorir o tom natural amadeirado que a composição ao violão costuma dar, e refina na medida precisa do gênero. Com certeza uma obra que se destacará em 2018 por sua qualidade técnica, poética e estética.

Foto: Vinícius Giffoni

*Lui Barbosa Almeida é compositor e integrou a banda Besouros da Praia

Daniel Silva é jornalista e editor do portal Rifferama, site criado em 2013 para documentar a produção musical de Santa Catarina. Já atuou na área cultural na administração pública, em assessoria de comunicação para bandas/artistas e festivais, na produção de eventos e cobriu shows nacionais e internacionais como repórter de jornal.

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