*por Marcelo Mancha
A vertente melódica do hardcore é sempre um terreno minado. Nas últimas três décadas, muitas bandas surgiram no Brasil e no mundo povoando e subdividindo o estilo. Aquele HC melódico mais engajado, com letras fortes, velocidade, criativas soluções e arranjos vocais e, claro, boas melodias, segue como o preferido dos fãs. No outro lado do muro, algumas bandas apostam no excesso de polimento, se afastando do estilo e se aproximando do subgênero conhecido como poppy punk. BOOM. Bomba. E é justamente aqui que mora o perigo.
Banda nova de hardcore melódico em português? Hummmm. Felizmente, o debut do trio Marina Radio Clube coloca a banda no primeiro time. O mentor do projeto é o vocalista e guitarrista Matheus Maciel, que deixou Campo Mourão (PR) para morar em Florianópolis. Aqui, conheceu o multi-intrumentista Johnny Duluti (que além da bateria, gravou também o baixo e os backing vocais do CD) e os dois decidiram registrar algumas composições que Matheus tinha na manga. A dupla concentra o poder de fogo do MRC, que com os bons solos do guitarrista Gustavo Pereira, concebeu um trabalho honesto e com vários destaques.
Logo nos primeiros acordes de “Redenção”, faixa que abre o disco, é possivel perceber qual rádio o Marina costuma sintonizar: Dead Fish, Noção de Nada, NOFX, Pennywise e Bad Religion, para ficar só nos clássicos. O trabalho segue em alta com “Prisioneiro do tempo”, com aquela pegada Face to Face. Um disco assim, cantado em português, clama por guitarras e boas letras. E elas aparecem no trabalho. Ouça “Material” (que trata do tema suicídio), “Walter” (homenagem ao personagem Walter White da série Breaking Bad) e as guitarras aceleradas de “Prole”, que depois injetam peso em “Siga”.
Quando a banda resolve arriscar um pouco mais, consegue equalizar melhor a lista de influências e coisas interessantes surgem. Duas músicas cumprem esse papel no álbum imprimindo a identidade do MRC. “Canção de Gaveta” traz ares do pós-punk, um bom solo e um fim acústico perfeito, lembrando um pouco o joinvillense Fevereiro da Silva. Já “Mariposa” que encerra o disco, começa simples, só com guitarra e voz, mas a música cresce ao longo dos seus mais de quatro minutos e meio, ganha peso e um tempero stoner, como os cariocas do Zander costumam fazer. A interpretação vocal de Maciel atinge o ápice e ele busca o sentimento que a música pede.
Aliás, os vocais do disco tiveram um cuidado especial, tanto que em algumas músicas foram regravados três vezes para ficarem do jeito que os músicos imaginavam. Todas as composições são de Matheus Maciel, exceto “Casus Belli” – uma das mais legais do disco – que é do baterista Johnny Duluti. Sintonize sem medo o som dos caras. Tem que dar nota? Pode dar oito pra eles pela estreia acima da média.
*Marcelo Mancha é jornalista, músico e baixista do Eutha (desde 1992)