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A poesia combativa de Jean Mafra dança no álbum “ainda”*

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*por Jacques Mick

No novo disco de Jean Mafra, “ainda”, tudo se revela desde o começo – e o começo é “The End”. A canção é uma síntese do que Jean tem a propor: uma poesia robusta, abraçada ao mundo que nos cerca, em melodias que misturam mil referências e duas matrizes – a música eletrônica e os ritmos brasileiros. O refrão de “The End” dá a letra do que vem pela frente:

“milhões de views distraem/destroem
somos escravos hoje e sempre
já não sentimos o que dói
nem nos doemos por quem sente”

As oito faixas têm em comum o lamento da solidariedade abandonada, a crítica ao individualismo, a esperança em um mundo recriado pelo afeto. Jean não é um poeta perplexo, limitado a desenhar um caleidoscópio de desgraças. É um ativista do amor – e distribui esperança em abraços, versos e cadências. O disco é a terceira obra solo do artista que fez “Só” (2008) e “Rosebud” (2010). Em parcerias, Jean Mafra começou na Samambaia Sound Club (dois álbuns e um EP entre 2003 e 2010) e andou ao lado do Bonde Vertigem (“Pressa”, 2012) e de Felipe Melo (2013, 2015). A maturidade fica clara no trabalho minucioso de preparação do disco, com a participação de músicos como Alexei Leão e Luís Canela, também produtores, Alexandre Damaria e as vozes de Bárbara Damásio, Juliana D Passos e Renata Swoboda – dentre outras e outros.

As canções refletem diferentes momentos do país e seus efeitos sobre a trajetória do artista. A faixa-título do disco, “Ainda”, é de 1996 – lá se vão 25 anos e “nada anda, tudo se mostra estranho/triste / chove sapos e o colapso persiste”. Como ela, outras quatro canções são combativas, fortemente políticas. “Encruzilhada”, do cabalístico ano de 2013, soa premonitória em imagens como “os anos se esvaem em horas”. “Sétimo dia”, de 2017, “Brasil” e “The End”, de 2019, também são retratos de um país que se desmancha em fissuras ideológicas e em mundos apartados pela desigualdade brutal. Todas as faixas do disco combinam brasilidades e música eletrônica, insinuando influências de Pet Shop Boys e Depeche Mode, mas também de Céu e da poesia em prosa de Valter Hugo Mãe. Em seu trabalho como DJ, Jean pesquisa música por toda parte, o que lhe dá um repertório caleidoscópico.

O resultado fica claro em três canções experimentais: “Coração nº3” (de 2004, recriada em 2020), “Silêncio” (2006, que sai como bônus em fevereiro próximo) e “All For Nothing” (2010). Nelas, as palavras falam mais baixo e abrem espaço para o ritmo e as fusões do Brasil com o mundo. “Coração” (2004) também é dessa linhagem, mas nela os versos batem compassada e amorosamente. A canção demonstra que Jean Mafra é, ainda e sobretudo, um grande poeta.

Foto: Ana Carina Baron

*Jacques Mick é jornalista e professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSC e foi uma das primeiras pessoas a ouvir o álbum.

Daniel Silva é jornalista e editor do portal Rifferama, site criado em 2013 para documentar a produção musical de Santa Catarina. Já atuou na área cultural na administração pública, em assessoria de comunicação para bandas/artistas e festivais, na produção de eventos e cobriu shows nacionais e internacionais como repórter de jornal.

Um comentário

  1. Uma bela obra merece um belo texto. Tá tudo aí. Parabéns aos dois.

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