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A quarentena iniciou oficialmente em 17 de março em Santa Catarina e trouxe muitas dificuldades para os trabalhadores da área da cultura no estado. Mas o isolamento social apresentou algumas “vantagens”, seja um maior contato com a família ou mais tempo para consumir arte. Pensando nessa segunda opção, o Rifferama contatou diversos músicos e artistas para descobrir quais sons têm embalado esse período difícil pelo qual todos estamos passando: cada participante revela os três álbuns mais ouvidos durante a quarentena. O resultado será uma grande playlist com todas as indicações. O convidado desta segunda-feira (29) é o idealizador da genial e louca Orquestra Manancial da Alvorada, Julian A. Brzozowski.
Fleet Foxes – Crack-Up (2017)
Tenho uma profunda admiração autoral por Robin Pecknold e gosto de acompanhar os capítulos da sua criatividade. O debut dos Fleet Foxes tocou uma forte base em folk do meu gosto estético; “Helplessness” Blues mostrou como é interessante o resultado de costurar canções pops e composições de estruturas complexas e inusitadas em um mesmo álbum. Por fim, o último “Crack-Up” uniu todos esses elementos de maneira ousada e elegante, em um álbum que propicia uma linda aventura repleta de detalhes e minúcias de produção, como o cantarolar ao ritmo de remadas ao final da faixa de introdução, a breve menção a Mulatu Astatke, o uso muito inteligente de eventuais cordas e sopros. Tenho me dedicado a digerir e compreender todas as pérolas que esse álbum oferece, que são muitas.
Arvo Pärt, Alea Saxophone Quartet – Anima (2017)
“Fratres” é uma composição que mexe intensamente comigo. O dito de Arvo Pärt que “o instante e a eternidade estão em conflito dentro de nós”, ou que somos precisamente a encarnação desse conflito, me faz experienciar uma distensão temporal enorme quando ouço suas músicas. As execuções de seu trabalho são muito variadas, e poderia referenciar inúmeras delas (a de Keith Jarrett, por exemplo), mas o timbre que o quarteto de saxofones traz à sua obra é muito bem vindo. Além de “Fratres” e da primeira faixa “Psalom”, dou destaque para “My Heart’s in the Highlands”, que é uma peça belíssima. Sinto que esse álbum suscita tanto calma quanto ponderação, ambos afetos muito propícios para o momento que atravessamos.
Mazowsze – The Polish Song and Dance Ensemble Vol. 1 (1976)
Mazowsze, o conjunto de músicas e danças tradicionais polonesas constituído durante o período comunista do país com o intuito de preservar suas raízes culturais, é bastante nostálgico para mim: todo Natal em minha casa colocávamos seu disco das kolędy (canções natalinas). Nomeei esse álbum pois foi o que ouvi enquanto cozinhava, pela primeira vez em toda minha vida, um prato típico polonês que está no pódio das minhas receitas favoritas: bigos, um ensopado de repolho com carne de porco e mil outros temperos. Foi um turbilhão geracional que a quarentena catalisou, me senti recebendo algo muito importante de meu passado histórico e incorporando-o aos meus conhecimentos. Esse álbum também conta com a música “Dwa Serduszka”, que se tornou o tema principal do filme “Guerra Fria”, longa polonês que aborda o período comunista através da consolidação do Mazowsze, ali ficcionalizado como Mazurka. Assisti com meu irmão quando saiu no cinema e foi um momento importante para nós dois, como um vislumbre do que nosso pai viveu antes de buscar refúgio no Brasil nos anos 80. Sinto que todas essas reflexões têm tido um espaço importante no novo tempo que nos foi dado à força pelas circunstâncias atuais do mundo, dentro do qual podemos descobrir muitos tempos: o tempo que um pão leva para assar, o tempo que amigos levam para se reencontrar, o tempo que uma receita leva para ser ensinada e aprendida.
Foto: Nefhar Borck
Bônus: Orquestra Manancial da Alvorada + Orquestra Sinfônica de Santa Catarina (Ao vivo na Semana do Rock Catarinense de 2018)